Pouco depois daquele período, o país viveu uma retumbante crise política, social e econômica, no final de 2001 e início de 2002. Nos anos seguintes, a inflação parecia modesta para os padrões locais. Mas em 2010, o índice já estava no patamar de 25%.
Segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, a inflação oficial da Argentina começou a ser adulterada a partir de 2007, o que gerou uma forte crise no Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (o Indec) e processos contra autoridades da época.
Governo Macri
Economistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que a inflação na era Macri foi alimentada principalmente pela desvalorização cambial de 2018. A inflação estava em torno dos 25%, como nos últimos anos do kircherismo, até que em 2018 com a crise internacional no câmbio, o peso argentino foi fortemente desvalorizado.
Esta desvalorização, como explica Elisabete Bacigalupo, da consultoria Abeceb, foi parcialmente repassada para os preços. O governo Macri afirma que recebeu uma economia com problemas como tarifas públicas subsidiadas e fez um programa de constantes aumentos (os chamados tarifaços) para acabar com os subsídios aos preços de luz, gás e transporte público, entre outros.
Os tarifaços acabaram também contribuindo para aumentar a inflação, concordam economistas. Macri começou o governo com um programa de combate à inflação que incluiu, como no Brasil, um sistema de metas de inflação.
Pouco tempo depois, o governo desistiu deste sistema ao perceber que as metas não seriam cumpridas. As previsões de inflação feitas pelo governo não foram cumpridas nos três primeiros anos do governo. No ano passado, com o terceiro presidente do Banco Central na era Macri, os juros foram elevados para cerca de 70% (agora, estão na casa dos 50%).
Para parte dos analistas, o empréstimo recorde foi suficiente para afastar o fantasma de que a Argentina não poderia pagar seus compromissos financeiros, como ocorreu em décadas passadas.
A crise atual, com queda de cerca de 2,5% da economia em 2018 e juros atuais em torno dos 50%, não é como a de 2001 - não houve pânico e corridas ao banco, por exemplo.
Mas os ajustes salariais não acompanham o ritmo da inflação e as centrais sindicais criticam a perda de poder aquisitivo.
Estima-se que a perda salarial tenha sido de cerca de 10% em 2018, dependendo da categoria, índice que seria similar ao da crise de 2001-2002. Além disso, a possibilidade de comprar um imóvel financiado, que era uma das bandeiras do atual governo, tornou-se difícil com os juros e inflação atuais.
E muitos que tinham aderido ao programa oficial de financiamento de casas próprias agora protestam e declaram arrependimento porque a parcela subiu mais do que seu salário.
O antigo hábito dos argentinos de comprar imóvel (ladrillo, tijolo, como eles dizem) para se prevenir contra a inflação ficou muito mais difícil.
Academia em casa
Para tentar driblar os efeitos da inflação, argentinos de diferentes idades e classes mudaram seus hábitos para se adaptar aos preços altos. E, em muitos casos, confirmaram a fama de que são treinados em economia - e câmbio.
No ano passado, a decoradora de móveis Magdalena Kraft, de 37 anos, mãe de dois filhos, decidiu suspender as aulas de ginástica na academia e passou a malhar em casa.
No supermercado, ela procura os produtos com a etiqueta 'Precios cuidados' (Preços cuidados), que é um acordo entre o governo e empresários para o controle de preços de determinados produtos, para algumas marcas em tempos de inflação galopante.
"Cortei tudo o que pude. Viver com inflação alta é uma batalha diária", contou Magdalena à BBC News Brasil, enquanto fazia compras de frutas e verduras em uma feira livre do bairro Palermo, em Buenos Aires.
Férias domésticas
O jeito, para muitos, tem sido de economizar até nas férias.
Neste verão, Cristina Noble e o marido tomaram conta da casa de uma sobrinha com piscina em Buenos Aires e assim evitaram gastos de uma viagem. "Muitas coisas vão mudando em função da inflação e da desvalorização da nossa moeda", disse.
A vendedora Anabella Quintana, de 45 anos, costumava passar as férias em Arraial do Cabo, no Rio de Janeiro, mas neste verão a opção foi Bariloche, no sul do país, por causa dos preços.
Enquanto conta sua situação, ela cita cálculos automáticos e o câmbio do dia entre o real e o peso - intimidade com os números adquirida pelos argentinos ao longo das crises.
Ela vende produtos de perfumaria para lojas da cidade e contou que muitos revendedores optam por estocar, prevenindo-se contra possíveis novos aumentos. "Cada um vai se adaptando como pode", disse ela, mãe de dois filhos.
Os empresários, principalmente do varejo, reclamam do que chamam da pior crise em décadas, com forte queda nas vendas, no ano passado.
No último dia 7, o presidente argentino, Mauricio Macri, disse que foi "otimista demais" ao achar que a inflação seria combatida mais rapidamente. E ele novamente culpou a herança recebida do kirchnerismo.
Os argentinos irão às urnas em outubro para votar para presidente, e a inflação deve ser decisiva na hora do voto.
Fonte: G1