A nova regra do cheque especial, que deverá ser adotada pelos bancos a partir de julho, não ajudará a reduzir o endividamento e terá efeito limitado na redução do spread (diferença entre o que os bancos ganham para emprestar e pagam para captar recursos), avaliam economistas. Ainda assim, eles veem com bons olhos a troca de uma dívida cara por outra mais barata.
O cheque especial é uma linha emergencial que permite ao correntista gastar um certo limite definido pelo banco, mesmo que ele não tenha dinheiro na conta. Mas esta facilidade custa a ele juros mais altos.
Com a mudança, os bancos terão que oferecer opções mais baratas de crédito, como o parcelamento da dívida.
Para os especialistas, a mudança nas regras do cheque especial deve ter os seguintes efeitos:
Efeito marginal sobre o spread
Na avaliação do especialista em crédito e professor da Saint Paul, Maurício Godoi, a nova regra do cheque especial tem potencial para reduzir o risco de calotes nesta linha, pulverizando para outras. Isso abriria espaço para os bancos reduzirem a PDB (provisão de devedores duvidosos), que tem ligação com o custo da inadimplência e, de forma indireta, o spread bancário.
O spread vem caindo no Brasil, mas a um ritmo bem mais lento que a queda da Selic, a taxa básica de juros, e continua entre os mais altos do mundo. Os bancos defendem que sua redução não é fácil, pois o custo da inadimplência é muito alto, além dos custos administrativos e impostos.
Godoi considera que a nova regra do cheque especial vai ajudar a reduzir o spread bancário assim como ocorreu no rotativo do cartão desde o ano passado. Contudo, ele vê o impacto como limitado, tendo em vista que o cheque especial tem uma participação muito pequena na carteira de crédito dos bancos.
O volume das operações do cheque especial foi de R$ 25 bilhões em fevereiro, apenas 0,81% de todas as operações do Sistema Financeiro Nacional (SFN). No total de crédito para pessoas físicas, esta linha respondeu por apenas 2,92% das movimentações.
Para a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, apesar deste baixo volume que caracteriza uma operação de curtíssimo prazo, o peso do cheque especial no número de empréstimos concedidos é alto, de 21% na média dos últimos 12 meses.
?O efeito da medida, portanto, pode ser importante, ainda que certamente insuficiente?, diz Latif. ?Os spreads são elevados por muitas outras razões. O funcionamento do cheque especial é uma parte desse mosaico?.
Juros subiram, inadimplência estacionou
Nos últimos três anos, os juros do cheque especial subiram mais de 50%, mesmo com a inadimplência praticamente estacionada, mostram dados do Banco Central. Enquanto as taxas passaram de 214% ao ano para 324% ao ano entre fevereiro de 2015 e fevereiro deste ano, os calotes ficaram no mesmo patamar, em torno de 13,5% (veja s gráficos acima).
A diferença entre os juros cobrados no cheque especial pode variar até 26 vezes, do mais barato ao mais caro, em 29 instituições financeiras que oferecem este tipo de crédito no Brasil. Dados do Banco Central mostram que a taxa começa em 20,45% ao ano e termina em 526,13%, no período entre março e abril deste ano.
Descontrole é alto
Latif aponta que os juros elevados do cheque especial acabam alimentando a própria inadimplência, e assim os próprios juros do setor. ?Essa medida poderá ajudar a romper este círculo vicioso?, acredita.
Para ela, é possível que a inadimplência do cheque especial acabe contaminando a inadimplência de outras categorias de crédito, uma vez que é comum que o consumidor atrase o pagamento das dívidas em várias linhas de crédito.
O maior desafio para reduzir os juros do cheque especial passa pela educação financeira, na visão do professor Godoi, da Saint Paul.
Godoi acredita que o grau de endividamento tende a se manter com a mudança no cheque especial, já que o consumidor poderá trocar uma dívida de curtíssimo prazo por outra de prazo maior, e permanecerá nela por mais tempo. ?A vantagem é que a dívida ficará mais barata e não vai virar uma bola de neve tão grande?, diz.