O ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore avalia que a recuperação do Brasil vai ser lenta. Sem controlar a pandemia e com o mercado de trabalho bastante afetado pela crise provocada pelo coronavírus, o economista diz que o consumo das famílias não deverá ter força para ajudar na sustentação da recuperação do Produto Interno Bruto (PIB) do país, depois da queda de 9,7% no segundo trimestre.
Pastore também demonstra preocupação com o rumo das contas públicas do país, sobretudo se o governo Jair Bolsonaro abandonar qualquer compromisso fiscal de olho na eleição presidencial de 2022.
"Olhando do jeito que ela (crise) pegou a economia brasileira, essa recuperação não vai ser rápida e vai ser custosa. De forma que eu tenho muita preocupação com tudo isso, vejo um quadro o complicado", diz Pastore.
A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao G1.
Tem uma coisa nova aqui e no mundo, que é uma pandemia. É muito difícil lidar com isso. Na comparação com a Europa, o Brasil não conseguiu superar a pandemia ainda. Os países europeus fizeram logo no começo um lockdown muito rígido e derrubaram o contágio. No Brasil, nós estamos há muitos dias com cerca mil mortes por dia. Numa situação como essa, o afastamento social continua, não tem outra maneira.
O afastamento não afeta igualmente todos os setores da economia, prejudica muito mais o setor de serviços. Evidentemente não afeta supermercados porque as pessoas têm de comer. Então, mesmo naquele mês de abril, em que as vendas caíram enormemente, as vendas de supermercado subiram. Agora, todos os tipo de serviços prestados às famílias caíram e estão com uma recuperação muito pequena.
Em primeiro lugar, tudo isso leva a uma dúvida sobre qual é o tamanho da recessão que estamos enfrentando. Não vou trazer nenhum número, vou falar do intervalo em que essas projeções estão. Tem pessoas admitindo que a queda do PIB será de 4%, pouco mais de 4%. Outros, igualmente competentes, pensam em 6,5% de queda. Distâncias tão grandes em torno de uma média nunca existiram na história brasileira. Isso significa o seguinte: até agora, ninguém conseguiu ter uma noção exata do tamanho da crise.
O país tem um nível de pobreza muito grande, um nível de informalidade no mercado de trabalho enorme e que cresceu nos últimos anos. Um programa de assistência de renda, como o Bolsa Família, é excelente. Ele atinge 25 milhões, 20 milhões de pessoas. Mas o governo não foi capaz de fazer um cadastro nessa crise. Como ele não foi capaz de fazer um cadastro, acabou atendendo 66,5 milhões de brasileiros (com o Auxílio Emergencial).
Transferir renda para 66 milhões de brasileiros é um gasto enorme fiscal. Para situar a ordem de grandeza, se você ficasse só com o Orçamento de Guerra, que suponha que isso seria transferido por três meses, o déficit déficit seria de primário de 10% do PIB. Você tem de cuidar das pessoas, mas não há recursos fiscais. O Brasil não é um país rico e não estava numa situação fiscal confortável ao ser pego pela Covid.
Não dá para ser muito otimista com a velocidade de recuperação da economia. O que vai acontecer quando não tive a ajuda dos R$ 600. O Guedes (Paulo Guedes, ministro da Economia) está discutindo com o presidente da República um programa de renda mínima que não vai ser estendido para 66 milhões de pessoas. Esses 66 milhões de pessoas, ao receberem esse benefício, estão retribuindo ao presidente um aumento da sua popularidade, que subiu de 30% para 37%.
Para onde vai a popularidade do presidente quando uma grande fração desses 66 milhões deixarem de receber esses R$ 600? Certamente ela vai para baixo. A pergunta que fica é como o presidente via reagir.
Ele (Bolsonaro) tem um objetivo de se reeleger em 2022. Talvez, seja o maior objetivo do seu governo, não é propriamente o bem estar dos brasileiros. Se fosse o bem estar dos brasileiros, ele não teria negado a pandemia do jeito que negou lá atrás. Quer dizer, o mais provável é que uma pessoa perseguindo esse tipo de objetivo busque estimular a economia. Eu não tenho problemas com estímulos monetários, mas a política monetária tem limites. Se for usar estímulos fiscais, aí você corre o risco de romper com a austeridade fiscal. Então, eu vejo a situação com muita preocupação.
Há uma disputa muito grande se a recessão é grande ou pequena. Nós vamos saber o tamanho dela quando ela tiver terminado. Agora, olhando do jeito que ela pegou a economia brasileira, essa recuperação não vai ser rápida e vai ser custosa. De forma que eu tenho muita preocupação com tudo isso, eu vejo um quadro o complicado.Não existe um padrão ideológico que indique o caminho. Existem decisões sensatas de política econômica e existem decisões que não são sensatas. O que nós temos de sair é fora dessa briga boba de se segurar numa questão ideológica. Este governo é ideológico. Ele é ideológico nos costumes e na economia, mas ele está errado. Ele poderia aprender muito mais se ele olhasse para aqueles que foram sensatos numa reação (contra a pandemia) e, no fundo, fizeram uma reação poupando mais vidas e gerando mais bem estar econômico.
Nós estamos numa discussão que não tem fim, não conseguimos produzir as propostas, não conseguimos produzir uma proposta de reforma tributária. O governo não tem coragem de encarar uma reforma administrativa, não tem coragem de fazer nenhuma reforma. Eu não sei que liberalismo nós estamos jogando fora porque não começamos a fazer nada. De forma, que essa é mais uma razão para dizer que nós que andar muito para tirar o país da situação na qual ele está hoje.
De 2017 a 2019, nós crescemos 1% ao ano liderado só pelo consumo das famílias. Não tinha investimento, não tinha setor externo contribuindo para isso. Hoje, do ponto de vista do consumo de famílias, deixa eu colocar o seguinte: como é que está o desemprego no Brasil? Ele estava um pouco abaixo de 12%, estava em 11,5%, e subiu para perto de 13%.
Quando o entrevistador chega no domicílio para perguntar se a pessoa está empregada ou não, a primeira pergunta que ele faz é se a pessoa está trabalhando. Se ela disser que não, o entrevistador vai perguntar se está procurando ativamente emprego. Se estiver recebendo os R$ 600 por mês, a grande probabilidade é que quem está sendo entrevistado vai dizer que não está ativamente procurando emprego.
O Brasil tem uma taxa de participação de 83%, 84%. Ela caiu cerca de 15 pontos de porcentagem. Se você calcular o desemprego mantendo a taxa de participação na média história, ele estaria hoje em 22% da força de trabalho. Bom, na hora que acabar a ajuda dos R$ 600 essas pessoas vão ter que começar ativamente a procurar emprego. Essa taxa de desemprego pode não ir para os 22%, mas ela vai subir muito acima do nível atual.
Como é, então, que nós vamos sustentar consumo no ano que vem, que tem sido historicamente a força que tem feito o Brasil crescer a essa taxa de 1% ao ano nos últimos três anos?
Há programas de distribuição de renda que são bem feitos. Há um grupo de economistas que trabalha numa tentativa de unificação de muitos programas de transferência de renda que elimina a pobreza absoluta do Brasil. Se for feito um exercício de consolidar tudo, acho nós podemos evitar que pobres que hoje estão sendo penalizados não sejam ainda mais penalizados. Mas tem de ter racionalidade nesse tipo de escolha e ficar dentro de um orçamento caiba para o país.
Nós vamos estar 8,5%, 9% ao final deste ano abaixo de onde a gente estava em 2014 em termos de PIB. O PIB per capita tem uma queda muito forte. Você não recompõe isso no ano que vem, em dois anos. Vai demorar uns dois anos para tentar fazer o catch up (alcançar). Essa aqui infelizmente é uma crise que acontece quando a recessão anterior não tinha sido totalmente absorvida no Brasil. Tem um custo social muito grande em cima desse processo inteiro.
Fonte: G1